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Futebol

Quando o futebol se funde com a religião.

Que futebol e religião tem laços fortes não é novidade pra ninguém. Estamos cansados de ver figuras futebolísticas em suas fervorosas orações antes ou até mesmo durante os jogos, e porque não agradecendo à Deus pelo resultado positivo na peleja. Temos como exemplo claro, o treinador Cuca, que carrega consigo objetos referentes à religião católica, reza durante determinado momento dos jogos e nunca fez questão de esconder isso. Temos também uma infinidade de jogadores religiosos, principalmente evangélicos, alguns até são pastores, como é o caso do centroavante do Santos, Ricardo Oliveira. Temos casos de jogadores muçulmanos que vêem no calendário de jogos, conflito de datas com o Ramadã, uma prática anual no calendário islâmico na qual o devoto tem de realizar o jejum, que para o jogador de futebol, reflete negativamente em seu desempenho físico e técnico, não só para jogos como para treinamentos. E por que não colocarmos nesse balaio, o jogador que entra no gramado com o pé direito para trazer sorte no jogo, o torcedor que só assiste ao jogo do seu time vestindo a sua “camisa da sorte” ou que chacoalha as mãos no momento em que seu time vai bater um pênalti, tentando passar boas vibrações ao jogador que irá cobrar, ou até casos de bruxaria para a conquista de algum resultado, como já aconteceu inúmeras vezes no futebol africano e que se tornou, inclusive, motivo de punição pelas federações.

Tudo isso é uma forma de fé, não? Uma forma de buscar em outro lugar, em outro plano, algo que ajude o seu time a sair de campo com a vitória. Exemplos não faltam, mas e quando futebol e religião se misturam tão a fundo a ponto de uma religião se enraizar na história e no espírito de um time e uma torcida? É muito mais complexo do que estes casos citados acima, onde a crença é expressada de acordo com o que cada ser humano acredita. Pode até ser chamado de perigoso, já que a intolerância por parte de um ou mais grupos pode ter desdobramentos trágicos.

Para explicar o quão forte pode ser um enraizamento religioso dentro de um clube de futebol, nada melhor do que falar sobre o maior clássico escocês e um dos maiores clássicos do mundo, se não o maior: A “Old Firm”, o dérbi de Glasgow entre Celtic e Rangers. É bom salientar que a rivalidade se deu também por características e visões diferentes em âmbito social e político, além do religioso que é o mais forte dos pilares.

Jogadores de Rangers e Celtic discutem durante derbi.

Os Rangers sempre foram extremamente leais ao protestantismo e completamente anticatólicos desde a sua fundação em 1872, a ponto do clube vetar a contratação de qualquer jogador católico. A história do clube e sua torcida está extremamente ligada à cultura recebida da maioria sindicalista norte irlandesa. Já o Celtic, fundado em 1887, tem em sua história um caráter benevolente, ajudando principalmente imigrantes irlandeses católicos pobres, com isso, a população que não tinha privilégios e vivia em dificuldade passou a ter o clube como um símbolo. Os alviverdes não compactuavam com a política de contratações do rival, assim, nunca impediram um jogador de vestir a camisa do clube por posições religiosas. Essa rivalidade extrapolou as quatro linhas inúmeras vezes, não a toa é considerada como uma das mais perigosas do futebol, já tendo acontecido uma série de conflitos violentos, como na invasão de campo na final da Copa da Escócia de 1980, onde o Celtic venceu o Rangers por 1×0 e um grande conflito entre as torcidas aconteceu no gramado. Esse acontecimento, aliás, é tido como um dos responsáveis pela criação de uma lei de proibição de bebidas alcoólicas nos estádios escoceses.

A confusão no gramado na final da Copa da Escócia em 1980.

Atualmente, os dois clubes se inclinam contra o sectarismo, realizam ações contra a intolerância, o Rangers já aceita jogadores de outras religiões, e as leis tentam punir de forma muito mais rígida manifestações de qualquer uma das torcidas ou grupos que insistam nesse tipo de conflito. Tentativas de manter uma rivalidade histórica e muito rica não só para a Escócia como para todo o mundo do futebol, mas sem um caráter odioso, intolerante e violento, algo que é difícil combater mas não pode e nem deve ser mais cabível no tempo em que vivemos.

Futebol e religião não são campos excludentes, ambos tem como grande característica o apelo popular, e naturalmente isso se mistura em determinado momento. O futebol tem até um caráter religioso e para os torcedores mais fanáticos, o seu clube de coração é a sua própria religião, tamanha paixão que ele nutre pela instituição, e quando o time entra em campo, é como se ele estivesse participando de um ritual, com cantos, gritos de incentivo, e um completo êxtase nos momentos de gol e de festa. Portanto, não há nenhum problema nessa simbiose, é importante até como caráter simbólico e lúdico para o futebol, o problema é quando um clube, ou uma torcida, absorve uma religião não só como comportamento, mas também como doutrina única, impedindo a agregação de pessoas que sintam a mesma paixão pelo clube mas tenham pensamentos opostos e até combatendo de forma preconceituosa e criminosa os rivais que seguem outro tipo de orientação.

Tags : CelticfutebolOld FirmRangersReligiãoRivalidade
João Ricardo

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